quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

DIÁRIO DE BICICLETA BRASIL


Diário de Bicicleta Brasil
Rumo à Argentina


Há dois anos fui sozinho de bicicleta para a Argentina. Foram 20 dias e quase 2.000 km de aventura conhecendo lugares, costumes, pessoas e cultura. De toda essa experiência nasceu um livro. Para continuar  lendo clique em  "mais informações" e divirta-se.

Guilherme Fonseca  


Capítulo 1 – Amizade

Não consigo dormir! Passo a noite ansiosamente pensando nela. Foi um ano de espera sem ao menos saber se esse dia realmente chegaria. Todavia, chegou. Ela será a mais bonita, branca e com uma boa relação tanto para subir morros quanto para correr nas grandes retas argentinas. Faltam apenas algumas horas para ela ficar pronta, minha bicicleta, Alvorada!

Para começar essa historia tenho que voltar a meados de 2008, ano em que conheci uma pessoa muito importante, Elton Soares. Começamos jogando paintball, depois combinamos algumas pedaladas e a cada trilha revelavam-se gostos em comum. Sem dúvidas, essa foi a amizade mais interessante daquele ano. Encontrar alguém para dividir planos foi vital para despertar meus desejos por aventura. Ultimamente, meu vício.

Isso não significa que Elton e eu concordássemos em tudo, mas até isso era sadio. Passávamos horas debatendo assuntos sem importância apenas para ver quem tinha a melhor argumentação. Era uma espécie de jogo, gastávamos tudo o que fora aprendido na faculdade. Lembro-me de quando debatíamos sobre clonagem. Eu defendia que sempre haveria um único clone original enquanto ele afirmava que se a copia fosse perfeita, todos seriam o original. De qualquer forma, não importava o quanto me esforçasse, ele sempre me vencia, mas sem nunca perder sua humildade ímpar.

Além de passeios, fizemos muitos planos, dentre eles, o de irmos de moto para a Argentina em 2009.  E daí surgiu a ideia de irmos de bicicleta. Se não fosse por ele, jamais teria pensado nisso e deixaria de ter vivido uma de minhas maiores aventures.
  
Capítulo 2 – Itália ou Argentina?

O ano de 2009 trouxe novas matérias e responsabilidades. Nossos planos de viagem começaram a se divergir. Além disso, outro evento significativo aconteceu; localizei meu pai na Itália.

Durante as férias resolvi dar uma de Sherlock Holmes. Desde os 13 anos que não tinha notícias sua, logo comecei a pesquisar seu paradeiro. Isso se desdobrou em minha primeira viagem internacional em julho de 2009, empurrando a Argentina para o inicio de 2010.

Quando voltei, Elton foi quem partiu. Seu doutorado no Canadá fora aceito. Nosso último passeio foi Juiz de Fora-Petrópolis-Rio. Fomos à casa de Santos Dumont, ao bondinho, ao Cristo, saltamos de asa delta... Essa foi uma viagem memorável, mesmo tendo sido a menos de 300 Km de casa. Com a sua mudança, as coisas ficaram mais monótonas.

Sem Elton, a Argentina ficou no ar, mas mesmo assim comecei meu treinamento na academia Corpo & Cia. Nas primeiras semanas fiz a ficha voltada para o preparo na estrada. Não demorou muito, porém, para que passasse longe da bicicleta ergométrica e malhasse apenas para relaxar. Nessa época a academia foi ótima, pois ao voltar da Itália fiquei sem ânimo para estudar tirando péssimas notas. Malhando, passei a prestar mais atenção nas aulas. Todavia, não consegui escapar do curso de verão perdendo assim metade das férias.

A Argentina se tornara um sonho distante e em seu lugar comecei a cogitar uma temporada de oito meses na Itália. Conversei com meus irmãos, confirmei a ida com a mãe deles e pesquisei faculdades e trabalho no exterior. No entanto, o fato de atrasar minha formatura começou a pesar de forma que já não sabia mais para onde ir.

Dia 12 de fevereiro terminariam minhas aulas e dia 21, depois do carnaval, estaria livre para viajar.  Dessa forma, se fosse para a Argentina, teria 20 dias para realizar uma viagem de dois meses. E se para Itália deveria voltar em agosto não tendo tempo para fazer tudo o que havia planejado no Brasil até minha formatura. Também poderia passar umas férias normais em casa, mas não daria certo. Por fim, no final de janeiro, decidi pela Argentina. Acabou que não tive tempo para treinar, pedir patrocínio ou arrumar companhia. Alvora ficou pronta na última semana.

Capítulo 3 – Atravessando a Fronteira

Passei os últimos dias despedindo da namorada e na segunda feira, dia 22 de fevereiro de 2010, as 11h00min, peguei o ônibus para Foz do Iguaçu.  Alvorada foi o centro das atenções na rodoviária. “Você é maluco?”, “Que aventura!” eram frases que sempre me animavam.  As longas 24 horas previstas de viagem e nas outras cinco imprevistas com a quebra do ônibus renderam-me as primeiras amizades. 

O pessoal já estava me mandando ir de bicicleta de tão ruim que estava o ônibus. O excessivo atraso nos trouxe prejuízo pois não consegui visitar as cataratas. Chegando a Foz do Iguaçu levei os passageiros na ANTT onde conseguimos jantar por conta da empresa além do fato de ter conseguido uma diária naquela noite.

Na volta, a mesma empresa causou problemas. Ônibus velho, ar condicionado quebrado, calor, televisões desligadas, falta de água para os passageiros e janelas emperradas. Tudo isso nos gerou revolta a ponto de exigimos a troca do ônibus. Fiquei feliz em ver aquilo, o povo brasileiro lutando pelos seus direitos. Ponto para o Brasil!

Apesar da empresa, a viagem foi boa. Nela conheci uma menina de Buenos Aires e aproveitei para começar a aprender o idioma. Depois descobri duas escocesas, mas não consegui me comunicar. Ademais, aprendi sobre compras no Paraguai, os lugares, os cuidados, as gírias, os macetes e riscos para quem desejar passar mercadorias sem pagar imposto na receita.

Cheguei a Foz do Iguaçu no dia seguinte as 17h00min. Já não tinha mais nada na cidade, logo fui para o hotel e mais tarde encontrei o pessoal no jantar. Discutimos parte do meu percurso.  Revelei meu desejo de ir para Posadas pelo Paraguai, mas a ideia foi tida como suicida. Disseram que o país era muito perigoso e dessa forma fiquei com a ruta 12 da Argentina.

Como você pode ver, até agora eu não tinha um trajeto exato e nem sabia se teria tempo para cumpri-lo se o tivesse. Dispunha de pouco tempo, além de pouco dinheiro e preparo. Apesar das condições não serem as ideais, eu tinha uns 20 dias de férias pela frente e queria aproveitá-los da melhor forma. Se cansasse de pedalar, bastaria que pegasse um ônibus. Estava livre, sem um plano especifico e meu único objetivo era me divertir. Até então tinha pensado em ir até Santa Fé de bicicleta, pegar o ônibus para Medonza e continuar de bicicleta até Buenos Aires. Planejei acordar cedo, pedalar por volta de 100 km/dia, entrar na cidade mais próxima, arrumar um hotel, dormir e voltar para a rotina. Exceção para as capitais, aonde queria passar duas noites para descansar e conhecer melhor.

Acordei muito animado. Até pensei em visitar as cataratas, mas não resisti ao chamado da Argentina. Todas aquelas placas apontando para o sul me enlouqueceram. Queria tanto começar minha viagem que fui inconsequente e deixei de ir ao banco para resolver a questão do meu cartão de crédito. Em duas semanas o dinheiro acabaria. Arrepender-me-ia de toda essa euforia descontrolada. Todavia, esse era o primeiro dia e em menos de 15 km já havia ignorado todas essas questões e estava na duana.  Apresentei minha carteira de identidade e fiz o cambio. Carros argentinos, escritos em castelhano e pessoas falando estranho; estou oficialmente na Argentina. Que máximo!

Os próximos capítulos serão narrados de forma linear para que o leitor sinta um pouco das dúvidas, anseios e “apertos” que passei na viagem. Meu objetivo é fazer com que ele viva um pouco da minha experiência, monte em minha garupa pelo seu notebook e conheça quais são as verdadeiras demandas de uma aventura desse porte.

Capítulo 4 – Bienvenido a Argentina  

24/02/2010, Quarta-feira. 21h00min

Hoje foi meu primeiro dia de viajem. Acordei as 05h30min em Foz do Iguaçu, mas mudei de ideia e voltei a dormir até as 07h30min.

Essa manhã foi a minha última chance de passar no Banco do Brasil para pegar o travel cheque e o dinheiro, mas deu tudo errado. Como o banco só abriria as 11h00min, decidi visitar as Cataratas. Equipado com a Alvorada e a mochila, segui pela estrada. No entanto, o chamado das muitas placas que diziam *ARGENTINA* me seduziram. Por fim não fui nem nas Cataratas, nem no BB.




Encontrava-me ansioso para começar a viagem. Até queria, e muito, conhecer Foz e todas suas maravilhas naturais, Itaipu etc, mas o havia planejado fazer ontem. Como o ônibus quebrou, chegamos cinco horas atrasados e fiquei sem minha preciosa tarde turística. Pelo menos ganhei uma diária e um jantar depois de reclamarmos na empresa. De qualquer forma, ainda voltarei a Foz, mas não dessa vez - agora é hora de viajar!

Sem delongas cheguei à Argentina, país áspero que me recebeu muito mal. Só de cruzar a fronteira, começou a chover e a capa impermeável que trouxe para a mochila não passou no teste. Como se não bastasse ter as roupas molhadas, o pneu decidiu furar. Tempo gasto até agora, 15 minutos.

Por outro lado, conheci um pessoal bacana que me ajudou e em uma hora o pneu estava colado. Fiquei feliz novamente, mas alegria de pobre dura pouco pois em 60 minutos a ele furaria novamente, (Sulamita!)*. Dessa vez revoltei e pedalando o resto do caminho daquele jeito,  pneu furado e chuva em cima.

Meu objetivo era Eldorado, 94 km, mas fui forçado a parar em Puerto Libertad, 53 km. Uma vez na cidade percebi uma triste realidade monetária. No câmbio, senti-me a pessoa mais rica do mundo, pois o Peso valia 0.46 Reais. Peguei aquele monte de notas pensando que não teria problemas com gastos. Quanta ingenuidade! Argentinos não têm nada de bobos, se sua moeda é a metade, seus custos são o triplo; chave de boca 12 pesos, hambúrguer oito pesos, hospedagem, 35 pesos. Esse último foi o mais triste. Outras pousadas eram 200 pesos e para economizar peguei o muquifo que parecia um quartinho de meretriz. O banho foi frio, e aqui não está calor. A porta se fecha com um cadeado, o cheiro é ruim e o colchão é estranho.

Deixei algumas roupas no varal, embora duvide muito que secarão. Lavei outras e arrumei a bicicleta, que por sinal me trouxe um baita stress.

Enquanto escrevo esta postagem, estou relaxando comendo o terceiro hambúrguer de oito pesos e ouvindo uma música que não entendo nada. Até agora já encontrei com argentinos, brasileiros, italianos, escocesas e até israelenses. No ônibus conheci um povo muito animado e aprendi como comprar no Paraguai além de um monte de gírias.

Passando pela fronteira perguntei a um brasileiro se ele falava espanhol:

__ Sim, falo um pouco. - ele respondeu
__ Como é "aqui"? - perguntei.
__ É "aqui" mesmo.
__ Como é "minha"? - perguntei de novo.
__ É "minha" mesmo.
__ Como é "meu"?
__ É "meu" mesmo. Espanhol è igual ao português, só que eles falam mais rápido.

Essa foi a minha cena engraçada do dia, porém em uma coisa ele estava certo, os argentinos falam muito rápido, parecem mineiros. Agora sei como um gringo se sente em Belo Horizonte.

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*Sulamita é uma amiga que sempre jogava praga para o meu pneu furar na estrada. O pior é que funcionava.

Capítulo 5 O Sonho de uma Argentina plana

25/02/2010, Quinta-feira.

O sol saiu e junto com ele, Alvorada e eu. Dessa vez consegui acordar e as 06h30min já havia tomado café, (2,50 pesos o leite e 1,40 pesos os dois pães), e estava na estrada. A meta do dia é Puerto Rico, 125 km. Ela seria menor se eu tivesse conseguido chegar a Eldorado, mas não deu e agora tenho que compensar o atraso.

Quando decidi vir para a Argentina, sonhei com suas rutas retas e planas, mas ao invés disso, deparei-me com o pesadelo de seus morros íngremes e sem fim. O problema não é que as subidas sejam longas, mas sim inclinadas e numerosas. Na verdade, o caminho é completamente composto por morros, não há planos. É como se estivesse pedalando em cima de uma senoide de alta frequência e amplitude. Basta que termine de descer um morro para subir o outro. São intermitentes! Demorei 12 horas para chegar a Puerto Rico, sendo que parei duas vezes num total de duas horas e meia.



Em função disso, fiquei totalmente cansado e descobri que o sonho de uma Argentina plana só se realizará daqui a 300 km, quando terminasse o trecho das Misiones. Alguns, porém, estão dizendo que essa foi a pior parte e daqui a 40 km a situação melhorará. Espero que seja verdade, pois além da dificuldade gravitacional, o vento sopra contra o tempo todo e isso é um fato que não vai mudar.

Todavia, as coisas começaram a ficar mais divertidas chegando à cidade. Aqui encontrei um casal francês que está pedalando há oito meses numa bicicleta de dois e já percorreu 9000 km. Pena que estão indo para o Norte, pois gostaria de saber como será o rendimento deles dessa parte em diante. Além da nova amizade, consegui uma pousada muito boa por apenas 25 pesos, telefonei para Três Rios, contei para minha tia aonde e como estou e tentei ligar para a Ju, minha namorada, mas não consegui. No meio da noite fui tomar um sorvete e fiquei conversando com as donas do estabelecimento. Elas me ensinaram um pouco de español, me apresentaram a cidade e me deram uma manteiga de cacau, importantíssimo item que me esqueci de trazer.

No final, além de cansado, tinha mala para arrumar e roupas para lavar. Como a pousada estava com um preço bom, tomei uma decisão. Por mais que esteja no começo da viagem, ficarei um dia a mais em Puerto Rico para descansar e entrar na net. Em seguida, terei a difícil tarefa de chegar a Pousadas, capital da província. Serão 130 km de ventinho e morrinhos, espero que as subidas diminuam até lá.

Capítulo 6  Está valendo a pena?


"Hasta ahora yo ya conocí muchos argentinos, estoy aprendendo el idioma, escribiendo todo equivacado nel blog..." hahaha! Mas falando sério, apesar de estar aqui somente há seis dias, já vivenciei muitos momentos especiais. Fiz amizades e contatos com os quais sei que poderei contar. Conversei com escoceses, italianos, israelenses e franceses. Conheci um casal que está cruzando o mundo de bicicleta do sul ao norte e já percorreu mais de 9000 km. Aprendi a fazer compras no Paraguai e tomei o Terere (mate frio). Estou conhecendo a cultura e a geografia da Argentina. Visitei as ruinas Jesuítas de San Ignácio que são patrimônio mundial. Fui a um cassino, à maior usina hidroelétrica da Argentina, à ponte internacional que liga Posadas a Encarnacion e cruzei uma província de bicicleta. Estou quase hablando espanhol e quase esquecendo o italiano. Vi uma ovelha, um jacaré morto, um animal que parecia um castor, umas aves diferentes e até o Bambi - um veadinho na beira da estrada. Como disse, já estou vivendo uma experiência única na vida. Mas mesmo depois de todos esses eventos, ainda há muita coisa a ser feita. Isso está sendo só o começo da aventura, aliais, ainda faltam uns 15 dias.

Além do bom tempo nas cidades, as horas que passo nas estradas são muito relaxantes. O caminho difícil de Misiones ficou para trás. Hoje cheguei a Ituzaingo, aproximadamente 500 km de Foz. Pedalei uma reta de 90 km, sem subidas, descidas ou qualquer curva. Nada além de uma grande e contínua reta, nem imaginava que tal caminho pudesse existir. No percurso fiz amizade com as vacas que pastavam. A me ver, elas paravam de comer e acompanhavam-me com a cabeça. Foi muito engraçado! Até os caminhões com suas buzinas já se tornaram amigos.

A pior hora, porém, é a de sair de casa. Sempre alguma coisa me atrasa: a bicicleta resolve dar problema, a padaria está fechada ou o sono me faz perder a hora. Mas uma vez que abandono a cidade, o prazer de desfrutar a paz e a liberdade da estrada não tem preço. É tão bom que pedalaria o tempo todo se não fosse o sol forte, assim 12h00min tenho que parar. Nos dias nublados deixo-me levar pela ruta, mas embora seja gostoso, à medida que me aproximo da cidade destino a paz diminui, a tensão aumenta e começo a ficar ansioso, com vontade de chegar logo. De fato, é muito bom chegar, mas o trabalho não termina ai. Quando finalizada a meta do dia, ainda tenho as roupas me esperando para serem lavadas. E por mais que enrole para ir para o tanque, até isso é gostoso.

Tinha planos de pedalar 170 km amanhã, mas o sol está muito forte e por isso percorrerei só 70 km. Assim farei diferente, sairei as 16h00min ao invés das 07h00min, para poder dormir e ler um pouco de Amyr Klink.





Capitulo 7 - A fama

Não fui preso, mas saiu uma reportagem sobre mim no Jornal online da província de Chaco:



Capítulo 8 - Animação

Hola…

Antes de tudo quero agradecer o entusiasmo da galera da Engenharia. A vibração de vocês em ressonância com a minha me transfere energia para seguir adiante. Tem sido muito legal ter pessoas que nunca vi comentando no blog, adicionando-me no Orkut, fazendo perguntas e revelando verdadeiro interesse em minha empreitada. Essa torcida me traz muita animação. Todo esse entusiasmo é o combustível para a Alvorada. Obrigado pela força, amigos!

Todavia, estou em falta com vocês. Já faz alguns dias que chegueis à tão desejada reta argentina, mas ao contrário do que esperava, meu rendimento caiu. Senti-me seguro no novo caminho plano, com retas de 80 km, baixei minha guarda e fui nocauteado pelo desleixo. Não só vacilei nas pedaladas como estou em falta com as postagens, venho acordando tarde e administrando mal o meu tempo. Estou mandando mal nesse caminho fácil enquanto que nos morros infinitos de Misiones levantava-me cedo e cumpria com o planejado. 

No primeiro dia dentro do sonho da Argentina plana, comecei a cruzar a província de Corriente e fiz 90 km em três horas, minha mayor média. Mas já no segundo, pensando na desenvoltura anterior, acordei tarde e sai de Ituzaingo meio-dia. Pra que?! Além de a minha média ter caído drasticamente, o pneu furou. Por azar, naquele dia havia planejado pedalar 200 km e por isso cheguei a Itati por volta das 22h00min. Enquanto estava na estrada a minha viagem foi transmitida pela rádio, mas o mp4 não sintonizou a estação.

No terceiro dia segui para Resistencia, 80 km, já em outra província, Chaco. Acordei tarde – para variar –, mas como a distância era menor não tive problemas. Atravessando a capital de Corriente, passei por uma ponte muito maneira. O tempo começou a fechar e a chuva tornou o cenário ainda mais divertido. Gravei alguns filmes na minha câmera, que inclusive, lotou o cartão de 2GB’s hoje.

Resistencia é conhecida como a “Cidade das Esculturas” e “Museu ao ar livre” devido às mais de 500 obras exibidas em suas ruas. Esse era meu próximo destino onde Núria, minha couchsurfing, hospedou-me por dois dias. Visitei dois museus, Museo de la Comunicación e Del Hombre de Chaco, ambos muito legais! Quis também visitar El Museo del Fuego, mas estava fechado. Fizemos um tour pela cidade, tiramos fotos das esculturas expostas pelas calçadas e conheci a praça da bienal, aonde de dois em dois anos escultores de toda a Argentina se reúnem uma semana por ano para fazer uma escultura.

Dois dias depois, às 13h00min meu destino esperava-me há 80 km. Florência é uma pequena cidade com a maior concentração de sapos por metro quadrado que já vi. Sua estrada estava coberta de anfíbios esmagados de forma que não se enxergava o asfalto. Cruzei com mais de 15 sapos no caminho da lan house para o hotel, um deles tinha mais de 20 cm. Tenho vídeo e fotos! Todavia, Florência foi apenas uma parada - mais de 500 km sem novidades me aguardavam e este estava para ser o trecho mais enjoado de todos. Pelos menos dessa vez consegui sair um pouco mais cedo, 09h00min e cheguei a Reconquista às 17h00min, de onde agora vos escrivo.

As infinitas retas da Argentina não estão tão divertidas quanto no começo. Esse sonho não é tão doce quanto imaginei. No princípio eram festas, mas agora estão muito monótonas. O cenário é sempre o mesmo, interrompido sempre por um caminhão, uma placa ou um bicho morto na estrada. Estou ficando doido por aqui, quase criando um amigo Wilson. O que me distrai nessa mesmice são os vídeos que gravo. Neles desando a falar como se tivesse uma plateia me ouvindo. O mp4 funciona o tempo todo, é tão essencial quanto à água. Infelizmente, tive a excelente ideia de carrega-lo com músicas argentinas… Nada como um bom sertanejo brasileiro! O cansaço mental é muito forte de forma que se alguém pretende fazer uma viagem do tipo, a lição que aprendi e vos deixo é; la mayor preparación no es física, pero psicológica.

Entretanto, por mais que eu reclame, quando chego ao hotel, os momentos chatos morrem na estrada enquanto os divertidos vivem na memória. Por exemplo, a fauna argentina tem se revelado muito interessante. Ontem vi uma cegonha – não era uma cegonha! Meses depois descobri que se tratava de um tuiuiú. Também vi um filhote de jacaré, mas quando voltei para tirar fotos ele fugiu. Hoje cruzei com uma cobra atravessando a estrada, a primeira viva desde então. Além disso, teve um cachorrinho que me seguiu por alguns quilômetros e o Avestruz do dono da pousada de onde estou.


Mas não tão divertida quanto à fauna, minha situação financeira se encontra bem séria. Quando planejamos uma viagem ou qualquer outra coisa, algo sempre sai errado, pode ter certeza disso! No meu caso, foi o cartão de crédito. Por mais que eu tenha dinheiro, estou impossibilitado de sacá-lo. Como é final de semana, tenho de esperar segunda-feira para que algum argentino me confie sua conta e então meu primo deposite o dinheiro para mim. Tudo isso porque descobri que meu cartão internacional só funciona no Brasil – um ano mais tarde percebi que em cinco minutos desbloqueá-lo-ia pela internet resolvendo o meu problema. Depois de pegar essa grana só ficarei em hotel bacana. O de hoje está tenso. Meu único sabonete de 3.50 pesos caiu no ralo e tive que jogá-lo fora. Além disso, o banho estava frio, o quarto "murriento" e o proprietário ficava dizendo com seus dentes de ouro “no me gusta trabajar jajaja”. Vou esperar o sono ficar bem forte para ir dormir. Acho que amanhã não terei problema em acordar cedo.

Bem... Parece que consegui fazer um bom resumo desses últimos dias. Já pedalei metade do caminho, aproximadamente 850 km. As placas para Buenos Aires começaram a aparecer e isso é excitante. Ontem tinha uma indicando 950 km, outra hoje com 850 km...

A propósito, lembram-se da minha reportagem no DiarioChaco ? Eles gostaram tanto que postaram outra. Legal!






Capítulo 9 - Um Estudante de Engenharia... de Ferias

Hoje cheguei a San Justo. Amanhã termino o caminho mais longo e cansativo de minha viagem, 540 km de Resistencia a Santa Fé. Feito isso, Buenos Aires será moleza, faltando aproximadamente 500 km.

A propósito, falando em fim de viagem, o tempo tem passado de forma bem curiosa. Acontecimentos de ontem parecem mais antigos do que os do início da aventura. As lembranças do "muquifo" de Libertad são mais claras do que as das últimas três pousadas. Os dias em Puerto Rico, em Posadas e em Resistencia são tão recentes comparados com o de ontem. Sinto que estou aqui há meses enquanto que só se passaram 15 dias. As subidas intermináveis de Misiones deixam saudades. Nunca imaginei que um dos meus melhores rendimentos seria nos morros sem fim até Puerto Rico e Posadas. Nessas retas sem graças a minha média tem caído. Hoje faço os mesmos 120 km de antes com um cansaço mental muito maior. Enfim, fatigo-me mais em ter de pedalar cinco horas na mesma paisagem plana do que ter de subir a Ruta 12 de Misiones.

Mas deixando o tempo de lado, ultimamente tenho feito muitas amizades descartáveis* e o papo é sempre o mesmo:

"Vos sois ciclista?"
"Não!"
"Es aventureiro ou esportista?"
"Também não! Sou um estudante de Engenharia, mas claro, de férias."

Esse diálogo se repete muitas vezes, talvez tenham sido as primeiras frases que aprendi, juntamente com "De donde sois?", "De donde vienes y para donde vais?", "Estás solo? Y tus padres no se preocupan por vos?". Embora não seja justo que eu tenha tais títulos, acho legal quando me confundem com ciclista, esportista ou aventureiro. Essas pessoas dedicam suas vidas em função dessas atividades. Por outro lado, tenho dedicado e planejado a minha em função da Engenharia Elétrica. Adoro lançar-me nas estradas e Cia, mas é claro, só nas férias, pois quem estuda engenharia entende... no máximo se consegue um paintball no final de semana.


Essa postagem começou a ser escrita ontem, dia 08/03/10 e está terminando hoje, dia nove, ou seja, já estou em Santa Fé e também consegui sacar o dinheiro, \o/. Novamente estou de Couchsurfing, Victoria. Ela conhece mais o Brasil do que eu e compreende bem o português. Por outro lado já conheço a Argentina mais do que ela, mas meu espanhol tem muito que melhorar. Aproveitei para deixar os vídeos carregando no youtube e descarregar o cartão de memória. Não repare as loucuras, a estrada nos deixa meio pirado.


Meu roteiro foi:

·         22/2/10 as 11hs deixei Juiz de Fora -MG
·         23/2/10 as 17hs, cheguei a Foz do Iguaçu - PR
·         24/2/10 as 10hs, estava cruzando a fronteira
·         24/02/10-09/03 /10 Cruzei três províncias, Misiones, Corrientes e Chaco. Estou terminando de cruzar Santa Fé.
·         12/03/10 Chegarei a Rosário
·         15/03/10 Termino em Buenos Aires

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*    Assista o Clube da Luta para entender a expressão “amizade descartável”


Capítulo 10 - A mais longa das postagens.


Hola Amigos

Estou perto do final, tão próximo que nada mais poder me impedir de chegar a Buenos Aires e sacar minha foto no Obelisco. Isso me deixa tão feliz que já estou comemorando o sucesso da empreitada. De fato hoje é um dia especial, de extrema alegria, pois amanhã, domingo 14/03/2010, completarei minha missão. E pensar que quase desisti quando tudo começou a dar errado. Mas voltemos um pouco no tempo.

Tudo começou com uma pequena mudança de planos no último trajeto, Santa Fé – Buenos Aires. A princípio, descansaria terça e quarta em Santa Fé e pedalaria cinco dias a fim de completar os 470 km restantes. Seriam dois para chegar a Rosário (170 km) e três para Buenos Aires (300 km). Todavia, Victoria, minha couchsurfing, convenceu-me a ficar até quinta na capital para andar de barco. Com menos tempo na estrada, decidi fazer Rosário em uma única viagem. Nesses 170 km, porém, tudo ocorreu incrivelmente bem de forma que animei chegar a Buenos Aires mais rápido. Foram 470 km em três dias.

Como já disse, o meu cartão não funciona aqui na Argentina e a única forma de eu conseguir dinheiro é via Western Union, uma organização mafiosa bancária que cobra 20% do valor depositado. Para me enviar 500 reais, meu primo teve de pagar 100. Para piorar, a falta de treinamento dos funcionários fez com que meu depositador gastasse três dias de fila indo ao banco para enfim conseguir me enviar o dinheiro. Nisso o tempo estava passando e minha grana diminuindo. No dia em que quase desisti, restavam-me apenas quatro pesos com os quais tinha que comer alguma coisa, ligar para a Juliana, pedir ajuda ao meu primo, entrar na internet...  e se tudo desse errado, precisava ao menos deixar uma mensagem no orkut dizendo que viraria um hermano. Além disso, as estradas já estavam enjoativas, havia terminado 500 km de puro tédio (Resistência – Santa Fé) e o sol maltratava-me.

A necessidade de o depósito chegar estava atingindo o seu ápice. Saia de um hotel sem saber se teria dinheiro para o próximo. Em San Justo dormi com fome e só paguei a pousada no dia seguinte, sem saber se realmente teria a grana. Em Santa Fé a mesma coisa, mas como estava de couchsurfing tive quarto e comida garantidos. Lancei-me a Rosário, 170 km, com míseros quatro pesos mais uma vez sem saber se meu primo depositar-me-ia ou não. Por sorte jantei e tomei um café da manha reforçado com Victoria.

Já na estrada, estava morrendo de sono e toda essa situação começou a me desanimar.  Tive que acordar cedo para conseguir percorrer os 170 km antes de anoitecer. Todavia, pedalava e pedalava, mas as horas não se consumiam. Os desafios que tinha que vencer com apenas quatro pesos ocupavam minha mente. Duas horas depois do café da manhã já estava com fome. Meus pensamentos eram; “Será que consigo comer uns pãezinhos e pegar o código da Wester Union na net?”, “E se o Pires não depositar, será que sobrará dinheiro para chamar a Ju?”, “Mas se a Juliana não estiver online não terei como telefonar para ela. Será que vai dar para comer aquele pãozinho?”. Enquanto pensava a fome aumentava e 120 km me aguardavam com 2.80 pesos.

Fome, sono, cansaço, sol, incerteza e falta do que fazer! Combinação perfeita para te fazer desistir. Ainda poderia voltar para Santa Fé e ficar na Victoria até o dinheiro cair e então terminar a viagem de ônibus. Por outro lado, já tinha vencido 1250 km e faltavam apenas 400 km. Falei com um monte de gente, dei entrevistas, sai no jornal... Enfim, será que já posso desistir? E a cada pedalada o desânimo crescia ao passo que o pensamento de desistir concretizava-se mais e mais.

Foi em Barrancos aonde deus resolveu olhar para mim. Um casal de meia idade - 58 anos. A isso chamamos de meia idade, certo? - parou a caminhonete ao meu lado e começou a fazer as perguntas que já estava habituado. Despediram-se, mas há menos de um quilômetro me chamavam novamente. “Convite para almoçar”, “Convite para almoçar”... Confesso que esse foi meu único pensamento.

 "Que linda viaje stays haciendo, que lastima que no tienes tiempo por que queriamos te invidar para almorzar"

"No te preocupes. Yo tengo tiempo,Yo tengo tiempo"

Aquele casal nada mais era do que dois ciclistas profissionais. Em sua casa havia centenas de troféus, medalhas e fotos. Eles adoram ouvir e compartilha suas histórias. Descobri que não sou o primeiro ciclista que é convidado para almoçar, pelo contrário, trata-se de um hábito. E quando o assunto é comida, eles capricham. Comi um banquete; batata, carne, salada, suco, mais carne... Além disso, a família era grande e todos se reuniram. Conversamos bastante, fui convidado para passar a noite com eles e caçar no dia seguinte. Em outra hora teria aceitado, mas aquele ânimo me contagiou de forma que estava ansioso para chegar a Buenos Aires o mais rápido possível. Ademias, usei sua internet, telefone e dei entrevista em uma rádio que funcionava no quintal - vede o vídeo abaixo. Por fim, eles pedalaram alguns quilômetros comigo. Depois de mais de 1000 km solitários foi muito bom ter companhias bípedes e reais. Foram os 25 km mais rápidos de todo o trajeto. Trocamos nossas garrafinhas e nos despedimos com tristeza. Todavia, os próximos 80 km vieram com ânimo diferente. Todo aquele baixo astral fora substituído pelo mesmo ânimo que tivera outrora, nos primeiros dias de pedalada.


Argentina é um país engraçado. Peguei a bicicleta e começou a chover. Passaram-se, então, dez minutos e o pneu furou. Nove quilômetros mais tarde e ele fura de novo no meio da estrada deserta. Fico em um hotel fedorento, caro, com água fria e cama velha. Esse foi meu primeiro dia, minhas primeiras horas nas rutas argentinas. Não consegui completar minha meta, parei numa cidade de mil habitantes e lá foi onde encontrei o muquifo e um sujeito de má índole que me extorquiu 35 pesos. Era como se o país tentasse me expulsar “vos no soys bienvenido acá”. No dia seguinte encarei terríveis subidas com vento contra até Puerto Rico, cidade que acabei ficando por dois dias para descansar.

Assim fui recebido pelo destino. Todavia, quando me encontrava abatido e desistente, aquele que outrora tentara expulsar-me, começara a sussurrar palavras doces aos meus ouvidos. O vento ficou ao meu favor e o tempo nublou protegendo-me do sol.  Quando fiquei com fome, sem dinheiro e ânimo, um casal saciou-me o corpo e o espírito. O dinheiro finalmente caiu e ganhei companhia para pedalar 25 km. A mesma Argentina que há 16 dias não fora com minha cara, agora não permitira que desistisse. Acho que a conquistei com o decorrer do tempo, através das longas horas de pedaladas, das fotos, vídeos, gritos e mais gritos. Cheguei a Rosário e consegui sacar o dinheiro no correio no mesmo dia. Tive tempo para conhecer os lugares turísticos e falei com minha namorada no Skype. Tudo deu certo, um dia de sorte!


Hoje acordei tarde e sofri com o sol ardente. Descobri que é proibido pedalar na estrada que leva a Buenos Aires e o meu pneu furou. Embora as coisas tenham começado ruim, estou muito tranquilo e feliz, sabe por quê? Esse é o último dia! Acordei pensando nisso. O ânimo está a mil e apensar de alguns praguejamentos e gritos na estrada estou re bien! Fui parado duas vezes pela polícia. Na primeira mandaram-me sair da estrada. Na última pediram-me para assinar um termo de responsabilidade. O vento fortíssimo ficou a maior parte ao meu favor, com isso fiz uma media maior de 30 km/h. Só não sabia aonde dormir. Meu objetivo era deixar apenas 150 km para amanhã e então fiquei em uma cidade chamada San Pedro, nome familiar? *

Hoje é o último dia em que preciso hospedar-me em um hotel, portanto vou esbanjar! Chega de "cual es la estancia mas economica?", escrevo-vos de um três estrelas. Há internet, duas piscinas, café da manhã, quarto excelente e até... brasileiros. Caprichei também na refeição. Depois de almoçar salada, carne e macarrão, (uma alimentação de atleta), mergulhei no mar das massas; lasanha, macarrão e salada de frutas com sorvete de sobremesa. O melhor é que não gastei muito mais do que 200 pesos (100 reais).

 A sensação que experimento é de vitória; "Consegui! Acabou!". É muito bom vencer um desafio. Apesar de ter mais 150 km pela frente, hoje vivo a frase "Não há conquista sem sacrifício", pois sei que nada me impedirá amanhã. A felicidade está na conquista e por isso estou tão feliz. Só daqui a um ano, junto com muitos homens, é que experimentarei novamente essa sensação. Não pense besteira, estou falando da minha formatura como Engenheiro Eletricista. Cinco anos de estudos, lutas e amizades serão consumados. Mal posso esperar! Eu estava certo. O dia da minha formatura foi um dos mais felizes da minha vida.

Esta foi minha postagem, uma das mais longas, não somente em letras, mas em experiências. Na próxima terei terminado minha "aventura de médio porte" com um resumo geral e fotos da bike no Obelisco!

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*O nome do bairro onde moro é São Pedro.


Capítulo 11 - O Último Dia!


14/03/2010, sábado, meu último dia de pedalada. Mal podia acreditar que havia chegado. Apenas 175 km separam-me de Buenos Aires.

Passei uma noite maravilhosa no hotel três estrelas e apesar da recepcionista não ter me acordado, despertei-me sozinho. Daí iniciou-se o maior desafio do dia, sair da cama; “Acorda, pelo amor de deus”, “levanta, é o último dia”, “anda, o sol já nasceu”, “POR FAVOR, não volte a dormir, você vai se arrepender”... Juntei forças, trouxe à tona todas as manhãs que dormiria até tarde, e finalmente sai do colchão. Minha primeira vitória, de pé as 07h00min.

Acordar cedo é uma luta antiga. Já perdi aulas e até prova por causa disso. Em apenas quatro dos 20 dias levantei antes das 08h00min e foram os melhores. De manhã o tempo passa mais rápido além do sol estar mais fraco. Sabia disso o tempo todo, mas a cama sempre me vencia.

Começando com uma significativa vitória, arrumei a mochila e tomei o café. Apesar de cedo, o tempo estava corrido, pois pretendia visitar três museus e a Vuelta del Obligado há 30 km. Animado, vou pegar a Alvorada e a encontro com o pneu furado. “Tudo bem, deixo a bike em uma bicicletaria enquanto visito os lugares”. Ótimo plano e funcionaria se hoje não fosse domingo. Aqui na Argentina tudo fecha das 12:00h as 15:00h e aos domingos. Lembro-me do primeiro dia em Puerto Libertad aonde tive a impressão de chegar a uma cidade abandonada. Todo o comércio fechado, as ruas vazias e o silêncio gritando. Agora, no último, encontro-me novamente nesse cenário, mas com o agravante de estar com pressa. “Vou colar eu mesmo o pneu”. Segundo ótimo plano, funcionaria muito bem se não tivesse perdido minha cola ou furado as câmeras reservas. Estou no meu último dia, apenas querendo pedalar até o Oblisco, mas não posso. Uma leve impaciência começa a surgir. Depois de algumas informações encontrei um borracheiro que a principio não quis me fazer o serviço; "No, no, no. Con bici Yo no trabajo". Mas foi só charme, 12 pesos mais tarde tinha duas câmeras coladas.

Perdi uma preciosa hora arrumando os pneus. Aprecei-me para os museus e até que enfim alguma coisa legal. Vários dinossauros e outros animais jurássicos. Na sala rompia o som cretáceo, tudo muito copado. Comprei dois chaveirinhos de lembrança.

Infelizmente esse foi o único ponto que consegui visitar, já que os outros museus estavam fechados e a Vuelta del Obligado tomar-me-ia três horas. San Justo, outro lugar que tenho de voltar para terminar de conhecer.

ESTRADA, Finalmente roda na estrada! Graças a Deus! No caminho cruzo com uma plantação de rosas e lembro-me da Juliana, tanto tempo sem vê-la, mas depois penso nisso. Uma vez direcionado para Buenos Aries começo a dar conta de uma traição. O vento que ontem me ajudara ficou contra e a ruta asfaltada se transformou no trecho mais esburacado de todos. Não é possível, estava contando com aquele vento bom e o asfalto de tapete. Não consigo entender essa Argentina, quando quero desistir ela não deixa e quando quero vencer ela também tenta me impedir. Qual será a desse país? Meu rendimento caiu drasticamente, eram 11h30min e nesse ritmo demoraria, pelo menos, o dobro do tempo para chegar. Mas não importa, que a estrada fosse de terra e o vento com chuvas de granizo, já havia decidido que chegaria hoje à Ciudad de Buenos Aries.

Depois de uns 40 km a estrada voltava a ficar como antes assim como o vento soprava ao meu favor. Perfeito, estou a 100 km de Bs As, meu amigo espera-me em sua casa e a bateria está carregada. Só questão de tempo. Continuo pedalando, 80 km de Bs As, 70 km, 60 km, estou indo muito bem, muito próximo até que... "roim, roim, roim...", a caixa da roda traseira estourou.

Por isso não estava preparado! Tentei pedalar daquele jeito, mas era impossível. Olhei a estrada na minha frente, tudo favorável, e por mais que pensasse em alguma solução, nada encontrava. Se ao menos fosse outro dia da semana, poderia ir a uma loja de bicicleta, mas domingo estava tudo fechado. Tentei comprar a roda dos ciclistas transeuntes, mas ninguém me vendeu. Só restavam-me dois caminhos, adiar a viagem por um dia ou pegar o ônibus. A primeira estava fora de questão, havia colocado na cabeça que chegaria a Bs As hoje e assim seria. Ademias, Carlito aguardava-me em sua casa. Depois de 1690 km, tão perto do fim, encontrava-me forçado a desistir. Não me considerava um perdedor. Fiz de tudo ao meu alcance, mas esse era um problema irreversível para um domingo. De qualquer forma, faltavam poucos quilômetros e eu teria conseguido se a Alvorada estivesse bem.

Pela primeira vez hice dedo, mas ninguém me deu carona. Campaña era a cidade mais próxima a qual entrei com fim de pegar o ônibus. A caminho da rodoviária continuei interpelando os ciclistas que não me vendiam sua roda. Um deles me deu o endereço de um bicicletero com o qual fui ter. E mais uma vez foi no poço da desesperança que encontrei auxilio. Quando havia desistido encontrei uma família disposta a me ajudar. Fizemos um círculo em volta da Alvorada, conversamos, bebemos e comemos enquanto o bicicletero tentava consertar a roda. Essa foi uma difícil tarefa, pois minha bike é de rolamento e não tínhamos rolimã. Fizemos uma gambiarra que funcionou, porém, outro problema surgiu; o cubo espanara. Tentamos inúmeras vezes enroscar o pião, mas fora em vão. A cada giro surgia a esperança de sucesso que sempre terminava em frustração  Por fim, mesmo tendo arrumando o rolamento, tornou-se impossível voltar com a catraca ao seu lugar. A segunda opção era trocar todo o cubo o que nos tomaria três horas de trabalho. Nesse ínterim, o bicicletero se ausentou e voltou com algo em sua mão. Torci para que fosse o que estava pensando e dentre seus dedos eis que surgia uma ferramenta de fazer rosca, YES! Todavia, era cedo para comemorar, precisávamos saber se daria certo e.... Voia là, Alvorada, a Bicicleta da Gambiarra! Todo o concerto durou umas três horas, portanto não tinha tempo a perder. Despedimos-nos rapidamente. Buenos Aires, sua linda, dessa vez tu não me escapa!

Não me lembro que horas eram e nem quanto havia pedalado. A parti dali não havia placas indicando a quilometragem, apenas a direção de Buenos Aires. Não me importava mais nada, queria chegar logo e a estrada a noite já era um fato. Pedalei muito, bebi toda a água, comi o que havia, e corri. Concentrava-me na velocidade de minhas pernas para manter o ritmo, mas a dúvida de quanto ainda restava estava me matando. A estrada estava bem iluminada, a pista era tripla com acostamento, as vezes tinha até o acostamento do acostamento. Nas áreas urbanas o transito era intenso e eu cortava todos os carros. Olhava as placas e via apenas "Buenos Aires". Quanto ainda falta? As horas passavam, o dia virava noite, mas minhas pedaladas se mantinham.

Chegou um ponto em que até as placas de direção desaparecera. Já implodindo de dúvida resolvi perguntar em que cidade estava e tive uma surpresa. Estou em "Buenos Aires"! Apenas 15 km me separam do Obelisco e são 22h30min. Segui as instruções de quem me orientou e agora restam 5 km. A fome era grande, muito grande e então resolvi comer um salgadinho que virou uma macarronada e depois um purê com carne e quando notei era 00h40min. Nossa! É muito tarde e estou com muito sono. Além disso, não conheço a cidade que dizem ser perigosa... Decidi dormir num hotel ao lado.

Meio-dia o telefone toca, acordo assustado com a hora, quero conhecer a cidade ao invés de dormir. Almoço para chegar bem humorado e as 15h15min do dia 15/03/2010 chego ao Obelisco e tiro minha foto. Assim encerro 20 dias de viagens por um país que não conhecia. Um país que até hoje não sei se gostou ou não de mim. Um país que desconhecia a língua, costumes e não possuía amigos. No dia 15 de março de 2010 conquistei meu objetivo.



http://www.youtube.com/watch?v=YEaJWEkcoxo&feature=plcp

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2 comentários:

  1. Muito louco! Queria ter essa coragem.

    Parabéns cara!

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  2. O Guilherme é um dos meus melhores Amigos que eu tenho o costume de chamá-lo de "Guilhermino Felicidade".
    Admiro muito a sua energia sempre tão positiva e intensa de viver a vida, e estou sempre aprendendo muito com ele.

    Esta foi apenas mais de suas Aventuras, dentre tantas outras, que o tornam uma pessoa Especial.
    Uma Aventura que estou tendo a honra de vivenciá-la através deste brilhante texto.

    Obrigado, meu nobre! Por ser meu Amigo, e por ser esta pessoa incrível que vc é!
    Parabéns pela realização desta jornada que ainda espera por muitas outras!

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